Esclerose múltipla: o potencial das células mesenquimais na modulação da resposta do sistema imunitário
A Esclerose Múltipla é uma doença neurológica autoimune, com impacto significativo na vida dos doentes. É caracterizada pela destruição da bainha de mielina (o revestimento das células do sistema nervoso), causada por uma resposta desequilibrada do sistema imunitário do próprio doente. Esta neurodegeneração impossibilita a comunicação adequada entre o cérebro e o corpo, levando à disfunção neurológica e incapacidade permanente.1, 2
A maioria dos casos é diagnosticada entre os 20 e os 50 anos de idade, sendo mais frequente em mulheres. Estima-se que a esclerose múltipla afete 2,5 milhões de pessoas no mundo e mais de 5 mil em Portugal1.
Apesar da grande evolução da medicina verificada nas últimas décadas, a esclerose múltipla não tem cura. Os tratamentos disponíveis atualmente, baseados na regulação da atividade do sistema imunitário, na maioria dos casos, apenas atrasam a progressão da doença, além de apresentarem efeitos secundários significativos. Existe, portanto, a necessidade de identificar novas abordagens terapêuticas, mais seguras e eficazes.
As Células Estaminais Mesenquimais como Terapia Alternativa
Dada a sua capacidade de autorrenovação, potencial de diferenciação em vários tipos celulares, o facto de não desencadearem resposta imunitária relevante e o seu efeito anti-inflamatório e regulador sobre o sistema imunitário, as células estaminais mesenquimais (MSC) surgem como uma potencial alternativa no tratamento de diversas doenças autoimunes, entre as quais a esclerose múltipla. As MSC podem ser isoladas de diversas fontes, nomeadamente da medula óssea, do tecido adiposo, do tecido do cordão umbilical ou da placenta.
Neste sentido, ao longo dos últimos anos, têm sido desenvolvidos vários ensaios clínicos, no sentido de testar o potencial terapêutico e a segurança das MSC. Nestes ensaios clínicos têm sido utilizadas MSC provenientes de medula óssea, tecido adiposo e tecido do cordão umbilical. Uma publicação recente na revista científica Cell, destaca três ensaios clínicos neste âmbito.
Num ensaio clínico de fase 1, foram incluídos 26 doentes com esclerose múltipla, que receberam MSC por via intravenosa. Os doentes foram acompanhados por 6 meses, não se tendo verificado efeitos adversos relevantes nem atividade da doença nesse período.
Num ensaio clínico de fase 1/2, 20 doentes foram acompanhados durante 10 anos após a administração de MSC, tanto por via intravenosa como por via intratecal (diretamente no fluido espinal). Além de não se terem registado efeitos adversos relevantes, houve alguma reversão da incapacidade, com melhorias na condição global dos doentes.
Num terceiro estudo, 20 doentes receberam entre 2 a 5 infusões de progenitores neurais derivados de MSC por via intratecal. Durante os 7 anos que se seguiram foi realizado o seu acompanhamento. Também neste caso apenas se verificaram efeitos adversos menores. Por outro lado, não se verificou progressão da doença e em alguns doentes foram registadas melhorias na escala de incapacidade.
Nos vários ensaios clínicos realizados, nos quais se incluem os acima referidos, as infusões de MSC não causaram efeitos adversos relevantes (apenas febre transitória, dores de cabeça ou cansaço). Cerca de 40% dos doentes incluídos nestes estudos registaram melhorias ao nível de incapacidade, 32% mantiveram-se estáveis e apenas 18% registaram progressão da doença. Relativamente à fonte de MSC utilizadas, apesar de as MSC da medula óssea terem sido as primeiras a ser aplicadas, as MSC do tecido do cordão umbilical revelaram-se mais eficazes.
Os doentes incluídos nos vários ensaios clínicos receberam suspensões celulares com diferentes concentrações de MSC, continuando a dosagem efetiva de MSC ainda por definir, pois, entre outros fatores, está dependente da situação do doente. Assim, apesar de se confirmar a segurança e eficácia das MSC no tratamento da esclerose múltipla, este tema carece ainda de investigação, através de novos ensaios clínicos mais abrangentes.
Referências:
1 https://www.cuf.pt/saude-a-z/esclerose-multipla, consultado em 12-11-2024
2 Dadfar, S. et al. (2024). The Role of Mesenchymal Stem Cells in Modulating Adaptive Immune Responses in Multiple Sclerosis, Cells, 13, 1556. https://doi.org/10.3390/cells13181556