Divulgado novo método para otimizar resultados dos transplantes de sangue do cordão umbilical
Atualmente, só na Europa, são realizados mais de 45 mil transplantes hematopoiéticos por ano. Estes procedimentos, que visam substituir a “fábrica do sangue” dos doentes, permitem salvar a vida de milhares de pessoas com doenças graves, como imunodeficiências, doenças hemato-oncológicas (e.g. leucemias, linfomas), vários tipos de anemias e doenças metabólicas. Apesar do número de transplantes hematopoiéticos ter vindo a crescer nas últimas décadas, a identificação de dadores compatíveis continua a ser um desafio. Neste contexto, o sangue do cordão umbilical constitui uma importante fonte de células estaminais para transplante, tanto em doentes pediátricos, como em adultos, pela facilidade de colheita, disponibilidade imediata para transplante e menor exigência nos fatores de compatibilidade. Contudo, os transplantes de sangue do cordão umbilical são, por vezes, associados a uma recuperação hematológica mais lenta, comparativamente aos transplantes de medula óssea, deixando os doentes transplantados suscetíveis a infeções por um período mais alargado. A transplantação de células estaminais hematopoiéticas tem vindo a ser aperfeiçoada ao longo das décadas, sendo uma área em constante evolução. Um artigo científico recente reporta mais uma inovação no campo da transplantação com sangue do cordão umbilical, com potencial para melhorar os resultados destes transplantes.
PRODUTO DE TERAPIA CELULAR CONSTITUÍDO POR CÉLULAS ESTAMINAIS CO-ADJUVANTE EM TRANSPLANTES DE SANGUE DO CORDÃO UMBILICAL
Segundo os autores, a publicação descreve pela primeira vez o uso de um produto de terapia celular composto por células estaminais do sangue do cordão umbilical, sem exigência de compatibilidade com o recetor (doente), em combinação com um transplante de sangue do cordão umbilical convencional. De forma a poder ser usado por qualquer pessoa, sem ser necessário um teste de compatibilidade, este produto de terapia celular inovador passa por várias etapas de fabrico até estar pronto para utilização: a partir de uma amostra de sangue do cordão umbilical, são selecionadas as células estaminais hematopoiéticas, que são expandidas (i.e. multiplicadas) em laboratório, durante cerca de 2 semanas; as outras células presentes no sangue são descartadas de modo a reduzir o risco de uma reação de rejeição; depois, as células estaminais selecionadas passam por um rigoroso controlo de qualidade e são criopreservadas, até serem necessárias. Este produto de terapia celular visa funcionar como um complemento para ajudar a acelerar a recuperação hematológica após um transplante de sangue do cordão umbilical. Os autores referem que esta terapia co‑adjuvante poderá mesmo permitir utilizar amostras de sangue do cordão umbilical com menor número de células e facilitar a escolha de amostras com o grau de compatibilidade ideal com o doente, hipótese que se encontram já a investigar.
A nova metodologia foi testada num ensaio clínico de fase 2, em que participaram 15 doentes, com idades entre 5 e 45 anos, que receberam um transplante de sangue do cordão umbilical para tratar três tipos de doenças hemato-oncológias: leucemia mielóide aguda, leucemia linfóide aguda e síndrome mielodisplásica. No dia do transplante, os doentes receberam também o produto de terapia celular co-adjuvante, 4 horas após o transplante de sangue do cordão umbilical. Os doentes foram acompanhados durante um período alargado, que variou de 5 a 11 anos. Não foram observadas reações adversas sérias relacionadas com a administração do produto de terapia celular em estudo, durante todo o período de acompanhamento.
Todos os transplantes realizados foram bem-sucedidos, com rápida recuperação hematológica: a recuperação das contagens de neutrófilos no sangue demorou 19 dias, em média, e a de plaquetas, 35 dias, em média. As análises realizadas revelaram que esta recuperação da produção de células do sangue foi inicialmente promovida pelas células estaminais do produto de terapia celular em estudo, dando depois lugar às células do sangue do cordão umbilical transplantadas, que se estabeleceram definitivamente na medula óssea para formar o novo sistema hematopoiético (i.e. a “fábrica do sangue”). Aos 14 dias pós-transplante, as células expandidas já não eram detetáveis em circulação na maioria dos doentes, o que confirma o seu papel co-adjuvante apenas no período inicial após o transplante.
Apesar de 40% dos participantes serem doentes de alto risco, não se registaram mortes relacionadas com os transplantes, e apenas dois doentes sofreram recaídas, aos 53 e 219 dias pós-transplante. Um achado surpreendente foi o facto de nenhum dos doentes ter desenvolvido formas graves de doença do enxerto contra o hospedeiro (uma complicação frequente em que as células transplantadas reagem contra o recetor), tendo sido apenas registados casos moderados, com manifestações sobretudo ao nível da pele. Os autores consideraram estes resultados muito positivos, tendo já prosseguido com a realização de um ensaio clínico mais alargado, para confirmar os benefícios do uso desta terapia celular co-adjuvante, em simultâneo com um transplante de sangue do cordão umbilical convencional.
Este ensaio clínico demonstrou que a co-transplantação de sangue do cordão umbilical com um produto de terapia celular constituído por células estaminais do sangue do cordão umbilical selecionadas e expandidas em laboratório é exequível e segura, com resultados favoráveis relativamente à segurança, tempo de recuperação hematológica, mortalidade relacionada com o transplante e doença do enxerto contra o hospedeiro. Os autores esperam partilhar em breve os resultados do ensaio clínico agora em curso, que pretende confirmar os benefícios desta abordagem.
Referência:
Milano F, et al. Infusion of Non-HLA-Matched Off-the-Shelf Ex Vivo Expanded Cord Blood Progenitors in Patients Undergoing Cord Blood Transplantation: Result of a Phase II Clinical Trial. Front Cell Dev Biol. 2022. 10:835793.
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